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Governo Lula: uma crise de comando?, por Aldo Fornazieri

Por Walter Scheurer em 10/06/2024 às 08:39:17

* por Aldo Fornazieri


Não é novidade para ninguém a constatação de que o governo Lula não vai bem. Para quem olha de fora, o governo parece desorientado. As informações que vêm de dentro não são boas. A desorientação do governo aparece na explicitação pública de divergências acerca dos rumos a seguir. Tanto dentro do governo quanto em setores do PT são frequentes os ataques à condução da política econômica dirigida pelo Ministério da Fazenda. O próprio presidente Lula emite sinais ambíguos. Este é um ponto crucial: sem clareza na condução econômica do país, o risco de fracasso é enorme. Os agentes econômicos e os setores sociais ficam sem um horizonte de previsibilidade e de estabilidade para agir. Crescem as desconfianças.

Além da política econômica, divisões e confusões do governo que provocaram desgastes aparecem em outros pontos: na forma atabalhoada de como foi tratada a crise na Petrobrás, no tema do imposto sobre produtos importados de até 50 dólares, na desoneração da folha de pagamento para setores da economia. Nesses e em alguns outros temas votados no Congresso, setores do governo e da bancada petista preferiram ficar com a oposição, contra o Ministério da Fazenda. O esforço do ministro Haddad de onerar setores privilegiados que não pagam impostos é justo e visa reduzir as desigualdades. Qualquer pessoa de bom senso sabe que arrumar as contas nos dois primeiros anos de governo é crucial para evitar crises e para ter um bom desempenho nos dois últimos anos.

As informações que vêm de dentro do governo indicam a fragmentação política, a paralisia e as divisões entre e dentro dos ministérios. Existem grupos para todos os gostos: grupos dos ministros, grupos dos funcionários públicos e até os grupos da Janja. Diz-se que as opiniões da primeira dama constrange decisões de ministros. Claro que ela tem todo o direito de emitir opiniões. Mas as decisões do governo precisam pautar-se pelo interesse público e pelo interesse do Estado.

A perda de popularidade em setores sociais que votaram em Lula é o sintoma mais agudo de que o governo vive uma crise política. Tudo isso, como já se disse em outros artigos, é paradoxal porque na economia o governo não vai mal. Pelo contrário: os indicadores de crescimento, renda e emprego estão bem. É certo que há uma inflação de alimentos e de serviços, mas nada que fuja ao controle.

Na busca do equilíbrio entre a política fiscal e a política social faltam três coisas: 1) corte de gastos, principalmente nos privilégios; 2) uma política nacional de eficiência do gasto público; 3) bom senso para atender demandas de determinados setores. Exemplo de falta de bom senso foi a arrogância de como representantes do governo trataram a greve dos professores das universidades públicas. Essa arrogância produz desgarramento e desilusão de setores que sempre foram apoiadores de Lula.

O que está claro é que a crise do governo tem uma natureza essencialmente política. Os principais focos são: 1 ) a falta de um comando claro de rumos no governo; 2) as divisões no governo e no PT transformadas em disputas públicas; 3) os desastres na comunicação e na articulação política. Em várias pastas ministeriais existem bons resultados, mas o grande público não os conhecem. A articulação política do governo no Congresso, excetuando a pauta econômica, é um grande fracasso. O resultado de tudo isso são as derrotas no Congresso e a perda de apoio popular.

A crise política do governo, além de ser uma crise de direção, é também uma crise de sentido. Com a emergência da extrema-direita ocorre um acirramento de disputa pelas subjetividades, por valores. As esquerdas estão perdendo esta batalha para a extrema-direita, que avança empunhando bandeiras de valores conservadores e autoritarismo.

O governo Lula não consegue comunicar para a sociedade quais são as suas grandes causas, os seus valores. Não consegue sinalizar para onde quer conduzir o país. Não consegue sequer definir claramente de que lado está na batalha crucial do nosso tempo: a crise climática e a transição ecológica. Concede incentivos a projetos depredadores e intensivo em carbonização e quer explorar petróleo na foz do Amazonas.

Ao não travar a batalha pelas subjetividade, faz uma disputa de hegemonia manca, com uma só perna. Ao não ter uma narrativa coerente de sentido, não consegue dirigir a coalizão que montou. Quanto mais Lula e o governo perdem popularidade, mais ficam a mercê das chantagens do centrão e mais riscos de perda de controle correm.

As pessoas que estão no governo são experientes. Mas são prisioneiras de uma solidez inconsequente de concepções e de métodos que não mais funcionam. Esquecem-se que a natureza da realidade é a mudança e que na Era da revolução digital a mudança ocorre com uma velocidade espantosa.

A mudança provoca continências de todo o tipo – objetivas e subjetivas. Com a solidez mental fixa no passado, não têm as capacidades necessárias para enfrentar os novos desafios, os rios furiosos do imprevisto. Os dirigentes políticos e operativos do governo não operam com o imperativo dos líderes virtuosos: estar preparados para as mudanças. Podem ser felizes com os seus cargos, mas serão infelizes com o resultado que produzirão: o fracasso.

Na felicidade e na arrogância de seus cargos, não se preparam para o ataque inimigo. Parecem acreditar que a detenção do poder é garantia da vitória. Relaxam as prontidões, descansam as armas da luta política. Perdem o senso dos riscos e da responsabilidade. Esquecem que o povo elegeu esse governo para livrar-se de um mal e por depositar esperanças em dias melhores.

O governo passa a imagem de que está cansado e envelhecido, entregue à própria indolência. Lula parece ter mais fidelidade a ministros e métodos que não funcionam do que aos objetivos estratégicos que informaram a sua vitória nas eleições. A principal lealdade que Lula deve ter é com os objetivos e os resultados que precisa entregar para o povo. Não entregará resultados se não for inovador e se não implementar mudanças reclamadas pela realidade social e econômica do país, dominada por injustiças e pelo particularismo dos grupos hegemônicos. Muitas das mudanças urgentes não dependem do Congresso.

O governo não pode ser autocomplacente com a ordem medíocre que domina Brasília e a política brasileira. Não pode ser autocomplacente com a suposição de que é prisioneiro de um fatalismo político decorrente de uma correlação de forças desfavorável. Este suposto é a antessala do desleixo, das desculpas esfarrapadas, da ruína.

Todos sabemos que adiar mudanças necessárias agrava os males de um corpo político adoentado. Lula precisa fazer as mudanças no governo agora. Fazê-las no ínício do ano que vem poderá resultar na gangrena do governo. As derrotas políticas e a perda de popularidade deveriam servir de alerta acerca da urgência de proceder mudanças. Afinal de contas, quanto mais se postergar mudanças e retificação de rumos, mais crescem os riscos de uma vitória da direita em 2026

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.



Fonte: GGN

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